quinta-feira, 29 de novembro de 2007

A realidade na ficção dos contos

O papel educativo dos contos de fadas tradicionais não é suficientemente, ou claramente, reconhecido. À excepção dos especialistas em psicanálise, de psicólogos infantis e da educação, além de outros, temos tendência para ver nas histórias que passam de geração em geração quase só uma função lúdica ou de entretenimento, associada à de transmissão da herança cultural.
Somos sensíveis à superfície ficcional, sem chegarmos a descortinar a realidade profunda que ela simboliza. Trata-se de uma incapacidade generalizada de percepcionar e interpretar as significações de segunda ordem, escondidas pelos sentidos mais óbvios dos elementos usados nos contos, sejam personagens, acções, cenários ou contextos.
A Menina do Capuchinho Vermelho, por exemplo, de que tantos gostam, simboliza a criança púbere (na fase da puberdade), ansiosa e ávida por compreender o mundo. Esta relação deprende-se das interrogações à suposta avó acerca das suas grandes orelhas, dos grandes olhos, das grandes mãos, da boca horrenda, que representam os quatro sentidos (ouvir, ver, tocar e saborear) que a criança utiliza para descobrir e compreender o mundo.
A sua avidez pela descoberta é igualmente denunciada na advertência que a mãe faz à Capuchinho Vermelho para não se desviar do caminho. O seu efeito na Menina simboliza também o conflito entre a opção pelo dever (fazer o que a mãe lhe mandou - seguir pelo caminho indicado) e a opção pelo desejo (fazer aquilo de que gostava - desviar-se do caminho para colher flores), ou seja, o dilema existente entre o princípio da realidade e o princípio do prazer. E é o Lobo, sedutor e perigoso, que intervém para incentivar o desvio: "Olha como são bonitas as flores que estão à tua volta...".
Não tendo morrido realmente, tal como a avó, a Menina do Capuchinho Vermelho renasce no final, não para continuar a mesma (cedendo às tentações), mas para um plano superior, como uma menina mais madura, que aprendeu a lição.

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