quinta-feira, 29 de novembro de 2007

A realidade na ficção dos contos

O papel educativo dos contos de fadas tradicionais não é suficientemente, ou claramente, reconhecido. À excepção dos especialistas em psicanálise, de psicólogos infantis e da educação, além de outros, temos tendência para ver nas histórias que passam de geração em geração quase só uma função lúdica ou de entretenimento, associada à de transmissão da herança cultural.
Somos sensíveis à superfície ficcional, sem chegarmos a descortinar a realidade profunda que ela simboliza. Trata-se de uma incapacidade generalizada de percepcionar e interpretar as significações de segunda ordem, escondidas pelos sentidos mais óbvios dos elementos usados nos contos, sejam personagens, acções, cenários ou contextos.
A Menina do Capuchinho Vermelho, por exemplo, de que tantos gostam, simboliza a criança púbere (na fase da puberdade), ansiosa e ávida por compreender o mundo. Esta relação deprende-se das interrogações à suposta avó acerca das suas grandes orelhas, dos grandes olhos, das grandes mãos, da boca horrenda, que representam os quatro sentidos (ouvir, ver, tocar e saborear) que a criança utiliza para descobrir e compreender o mundo.
A sua avidez pela descoberta é igualmente denunciada na advertência que a mãe faz à Capuchinho Vermelho para não se desviar do caminho. O seu efeito na Menina simboliza também o conflito entre a opção pelo dever (fazer o que a mãe lhe mandou - seguir pelo caminho indicado) e a opção pelo desejo (fazer aquilo de que gostava - desviar-se do caminho para colher flores), ou seja, o dilema existente entre o princípio da realidade e o princípio do prazer. E é o Lobo, sedutor e perigoso, que intervém para incentivar o desvio: "Olha como são bonitas as flores que estão à tua volta...".
Não tendo morrido realmente, tal como a avó, a Menina do Capuchinho Vermelho renasce no final, não para continuar a mesma (cedendo às tentações), mas para um plano superior, como uma menina mais madura, que aprendeu a lição.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

A Bela Adormecida em bailado

Teve ontem estreia no Teatro-Cine da Covilhã o famoso bailado "A Bela Adormecida", pelo Ballet Estatal da Ópera de Bashkir, da Rússia, que combina a composição musical de Tchaikovsky e a coreografia de Marius Petipa, que dão cor ao conto de Charles Perrault. O espectáculo, promovido pela produtora Classic Stage, conta com 70 artistas em palco, estando dividido num prólogo e três actos. O talento dos bailarinos, a efusão das cores, do guarda-roupa e do cenário, assim como a excelente sonoridade despertam o interesse de qualquer locutor, transmitindo de uma forma diferente a tão cohecida história. Esta companhia de ballet é conhecida internacionalmente e já actuou em países como o Japão, os E.U.A. e o Egipto.

Aqui fica um excerto (rudimentarmente filmado) da parte em que Bela adormece:

terça-feira, 20 de novembro de 2007

O Castelo


O castelo é símbolo da transcendência, estando localizado para tal efeito, num local alto e de difícil acesso. Assim, é também representativo de riqueza e força.
Existem várias situações nos contos em que surge este ícon:

1. Possui um tesouro;
2. Possui prisioneiros;
3. É habitado por um monstro;
4. É a morada da família real;

Em 1 e 2, é apresentada uma personagem fraca que deve ultrapassar uma série de obstáculos/dificuldades para atingir o tesouro ou libertar o prisioneiro. Deste modo, supera-se a si própria e demonstra que a humildade é um valor que contribui para a felicidade e realização do bem. Sinónimo de clausura principalmente nos casos em que é uma princesa a aprisionada, o símbolo é encarado como “o despertar da sua consciência” a partir do momento do seu resgate, fazendo acreditar que o amor é um sentimento que, embora possa parecer impossível nalgumas situações, pode ser recíproco.
Em 3, há situações em que o monstro pode não só ser um obstáculo como também o domínio do mal sobre os habitantes da localidade adjunta ao castelo, metáfora que define mais uma vez uma luta necessária entre o bem e o mal, onde a opressão é apresentada como valor negativo. O edifício é a reflexão do carácter do monstro, representando-se comummente de forma sombria e tenebrosa nesta situação.
Em 4 é referido como a morada da família real, não sendo mais que uma indicação adicional ao seu carácter de luxúria e ostentação.

Em suma, conhecer o castelo é um acção de introspecção, procura do auto-conhecimento e conjunção dos desejos, utilizando-se como ferramenta epopeica dos contos de fadas.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Era uma vez... o nº três!

O número três, presente em grande parte dos contos tradicionais, adquire um especial simbologismo ainda na época Clássica, com a definição grega da perfeição humana, em que o corpo estaria dividido em três partes, constituindo a cabeça uma terça parte do ser humano.
Assim, em "Os Três Porquinhos", são três os irmãos que tentam a todo o custo escapar do lobo, e em "As Três Cidras", conto tradicional português, são três as visões de meninas que aparecem ao Príncipe. Atentemos também em contos em que existe uma entidade com poderes capaz de realizar desejos ao personagem em apuros. Por regra, os desejos concedidos são sempre três, sendo o terceiro o que acarreta maior simbolismo.
Também a Deus se atribui uma Natureza tríplice (criação, conservação e destruição) além de que lhe são conhecidos três atributos (omnipresença, omnipotência e omnisciência) e uma constituição tripla (Pai, Filho e Espírito Santo). O três é, portanto, símbolo da perfeição e do divino.
Em geometria, por exemplo, a primeira figura geométrica é o triângulo, constituído por três lados.
Já no conto propriamente dito, existe em regra uma estrutura triática: o pai, a madrasta e o filho; sendo que normalmente, a ideia de família engloba precisamente, três elementos: o pai, a mãe e o filho. Sem contar que que a própria narrativa se apresenta, regra geral, tripartida (introdução, desenvolvimento e conclusão).
Assim sendo, o número terceiro é representativo do equilíbrio e da harmonia, para além da sua estreita ligação com o divino.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Violência gera violência?



Eliminar conteúdos violentos dos contos de fadas não é a solução mais indicada.

A realidade das crianças é povoada de medos e conflitos, pelo que não lhes deve ser apresentado um mundo pacífico, idílico, contudo irreal.

Os contos de fadas ao mostrarem os problemas ligados à violência, apresentam também as soluções, constituindo, como tal, instrumentos fundamentais para incutir a confiança, a tranquilidade e o espírito de iniciativa que tornarão a criança capaz de enfrentar e superar as suas próprias dificuldades. É imprescindível a este desenvolvimento infantil que as histórias sejam contadas, não lidas, e que sejam até ao final, em que os conflitos têm um desfecho sempre positivo.

Tal como os contos de fadas "não foram feitos para serem lidos", também alguns programas televisivos e, mesmo, jogos não deveriam ser solitariamente descodificados pelas crianças, entregues a imagens extremamente aterrorizadoras.


(Baseado em João Seabra Diniz, entrevista ao público, clique aqui)

domingo, 4 de novembro de 2007

Paula Rego e as suas histórias...


De entre todas as interpretações dos contos tradicionais na pintura, a que mais se destaca é a de Paula Rego. A ilustre pintora portuguesa ilustra no seu trabalho a interpretação pessoal que efectuou das mais e menos conhecidas histórias. Há quem diga que é macabra, horrenda. Eu vejo nela uma nova demonstração da realidade escondida na fantasia. Jamais poderemos usar as telas como ilustração de livros de contos para crianças como é óbvio. Temos sim que observá-las e tentar descobrir a sua intenção..o propósito de as conceber existiu..

"Foi uma terapia de inspiração jungiana que reanimou em Paula Rego o gosto pelas histórias. A sua pintura passou, então, a ter uma componente narrativa. Desse período, data o interesse pelos contos tradicionais portugueses.
Os contos avivaram o que lhe contavam quando era pequena. Recordou a artista: «Eram histórias muito boas, com lobos e avós... Relembrei-me dessas histórias. Ajudou-me muito. Depois, a Fundação Gulbenkian foi extraordinária. Eu disse: 'Preciso de dinheiro'. E eles: 'Faça o que quiser, arranje uma desculpa e vá trabalhar'. Foi nessa altura que estive seis meses no British Museum a ler sobre contos tradicionais do mundo todo. O regresso ao desenho significou um 'contar histórias' de maneira mais directa. E assim continua agora»."