Este conto tradicional, embora aqui abordado como sendo português, conta com várias versões por todo o Mundo. O seu título vai variando consoante os frutos predilectos de cada terra: cidras, laranjas ou nozes. São até conhecidas várias versões na Índia, segundo Consiglieri Pedroso. Em Portugal conhecem-se três versões deste conto: Bola-Bola, As Nozes e a já referida, As Três Cidras do Amor. Independentemente dos seus diferentes títulos, a história que se conta não apresenta grandes variações.
Um Príncipe que sai do seu palácio para ir à caça levando consigo três cidras, é surpreso por um acontecimento deveras intrigante. Ao partir uma das cidras, aparece-lhe uma linda menina que lhe pede água ou morrerá. Não tendo água com ele e estando bastante longe de uma fonte, a menina acaba por morrer, para grande tristeza do príncipe. Ao partir a segunda cidra, sucede-lhe o mesmo e o moço acaba por prometer a si mesmo que só abrirá a terceira cidra junto de uma fonte. Quando finalmente encontra uma fonte, o príncipe parte então a última cidra. De dentro dela sai uma menina ainda mais bela que as anteriores e o rapaz fica perdidamente apaixonado. Deu-lhe água e a menina viveu. O príncipe prometeu casar com ela, e partiu dali para o palácio para ir buscar roupas e levá-la para a corte, como sua desposada. Enquanto esperava pelo seu amado, a menina espreitou por entres os ramos e viu uma preta com uma cantarinha junto à fonte. A preta, vendo o reflexo da menina na água pensou ser o seu e disse:
“Cara tão linda a acarretar água! Não deve ser.”
A menina não conseguiu conter o riso e a preta, dando pela sua presença, chamou-a fingindo meiguice e começou a catar-lhe a cabecinha. Porém, quando a viu distraída, enfiou-lhe um alfinete no ouvido e a menina transformou-se numa pomba. Quando o príncipe chegou, encontrou ali a preta e disse-lhe:
“Que é da menina que eu aqui deixei?”
“Sou eu, disse a preta. O Sol crestou-me enquanto o príncipe me deixou aqui”.
De volta ao palácio toda a gente estranhava a noiva do príncipe e ele morria de vergonha. No entanto, o hortelão que andava no jardim viu a pombinha que lhe perguntou:
“Hortelão da hortelaria, / Como passou o Rei/ E a sua Preta Maria?”
O hortelão estranhando a situação, contou o acontecido ao príncipe e ele pediu-lhe que armasse um laço para apanhar a pomba. O hortelão cumpriu as ordens do príncipe e armou três laços, um de cetim, um de prata e um de ouro. Contudo a pombinha só caiu à terceira tentativa, no laço de ouro. Quando o príncipe veio passear muito triste para o jardim, encontrou-a e começou a afagá-la; ao passar-lhe a mão pela cabeça, achou-lhe cravado num ouvido um alfinete. Começou a puxá-lo, e assim que lho tirou, no mesmo instante reapareceu a menina, que ele tinha deixado ao pé da fonte. A menina explicou o que lhe acontecera e o príncipe levou-a para o palácio como sua mulher. Para castigar a Maria Preta, a menina pediu que se fizesse da sua pele um tambor e dos seus ossos uma escada para poder descer ao jardim. O príncipe assim o fez e viveram felizes para sempre.
Para Consiglieri Pedroso, este conto “é sem dúvida alguma mítico”, simbolizando a aurora, o sol e a noite. Assim, o sol é representado pelo príncipe, a aurora pela menina e a noite pela Maria Preta. Vemos como nesta história o príncipe acaba por ditar a sobrevivência das meninas das cidras. Tal como o sol, sem cuja luz não é possível a vida, também sem a ajuda do príncipe as meninas não podiam viver. A água que lhe pediam, representa simbolicamente a vida e o conhecimento, sem o qual não se atinge a maturidade. Aí reside a explicação para o facto de o príncipe ter encontrado a sua amada junto de uma fonte. A fonte é o local de encontro e de purificação da relação. Só o conhecimento e o amadurecimento de dois seres humanos permite uma relação verdadeiramente fundada no amor. Daí que as meninas saíssem das cidras que representam a virgindade e o fruto proibido. A sua saída da cidra é o inicio da sua transição da condição de meninas para a condição de mulheres. Porém, quando tudo parecia encaminhar-se no bom caminho, aparece a Maria Preta que, simbolizando a noite, é a principal inimiga do sol e, portanto do príncipe. Acaba por transformar a menina numa pomba branca cuja cor se contrapõe à da preta simbolizando a pureza característica da menina. O príncipe enganado pela preta leva-a para o castelo, tal era o seu amor pela menina que, mesmo feia e suja, continua objecto da sua afeição. Vive imensamente infeliz e envergonhado mas quando sabe que uma pomba pergunta por ele ao hortelão, pede-lhe que a apanhe com um laço. O primeiro laço (de cetim) representa a amizade e a pomba não cai. O segundo laço que o hortelão coloca é de prata, simbolizando o enamoramento, mas também não consegue apanhar a pomba. Só quando é colocado o último laço, de ouro, representando o sol e o casamento, o hortelão consegue finalmente agarrar a ave. Vemos então como o número três se reitera neste conto. Primeiro, o próprio título constitui uma alusão à perfeição e à fertilidade (“As Três Cidras”) e segundo, o facto de serem necessários três laços para a pomba ser agarrada pelo hortelão. Não é por acaso que a pomba apenas cai no laço de ouro. Prometida a um príncipe, a menina tem já sangue real e deve ser tratada como a realeza. Além de que o ouro é o metal perfeito e reflecte a luz dourada do sol.
Uma parte muito importante deste conto é o castigo dado a Maria Preta. É evidente o preconceito presente na abordagem da preta. A própria forma de tratamento (“a preta”) tem um sentido de humilhação e subestimação, para além da sua descrição ser completamente discriminatória (“feia e suja”). Assim no final, a Maria Preta é esfolada e os seus ossos são usados pela princesa para fazer uma escada, o que consiste num castigo quase eterno, uma vez que a Maria Preta é condenada a servir a menina para sempre.